
Pode-se pensar que a paixão amorosa (tão cantada e decantada em prosa, verso e reverso) não passa de uma máscara para o tesão: algo como uma cômoda maneira de maquiar a crueza de nossos "baixos instintos".
Penso, ao contrário, que ela é uma das raras oportunidades que temos para viver o sentimento de algo que nos ultrapassa, de algo que é maior que nós mesmos.
Sem dúvida o tesão está incluído nesse pacote; mas o tesão por si mesmo seria insuficiente para explicar o alívio e o êxtase proporcionados pela paixão amorosa: alívio e êxtase relacionados, claro está, ao ultrapassamento da mesquinhez de uma vida fechada em si mesma, ou seja, meramente voltada para sua própria conservação e prazer.
Há algo de heróico na paixão amorosa que nos eleva à condição de heróis de nosso próprio amor; e não deixa de ser um tanto trágico que em muitos casos seja difícil saber o que é maior, o amor que sentimos pelo outro ou o amor que sentimos pela paixão nela mesma.
A paixão amorosa é uma abertura:
ela nos faz sair de nós mesmos e ir além de nossas preocupações meramente fricativas e digestivas.
Só que a paixão amorosa, se não conduz a um novo fechamento, conduz a uma busca incessante de repetição.
Não é difícil entender porque isso acontece.
Por definição, a paixão depende de um outro que nos afeta; e é por um único e mesmo movimento que ela nos abre para o outro e desloca nosso centro de gravidade para algum ponto fora de nós mesmos.
É por isso que as alegrias extremas remetem à ação - auto-afecção, self-enjoyment ou, em uma palavra, à criação - e não à paixão.
Aquele que age (nesse sentido bem determinado, que eu diria spinozista) já não está fechado em si, mas também não está fora de si: pois ele conseguiu, de algum modo, colocar todas as coisas dentro de si para fazê-las refluir como dom à "humanidade mal-agradecida".
A paixão quer tudo para si;
mas a ação, porque já encerra em si tudo de que precisa, realiza de fato a abertura: como dádiva. Não importa o que se faz e o que se dá: panquecas, biscoitos, cantos, textos e assim por diante; o que importa é que em cada uma dessas coisas se tenha posto o melhor de si, a mais pura medida de vida. E se existe na filosofia algo que serve para absolutamente todos, é essa idéia de que a liberdade não está "dada" de antemão, mas que ela é uma conquista, e a maior de todas.